Comércio internacional está sendo reorientado de acordo com considerações geopolíticas

O futuro de uma economia global aberta e previsível está ameaçado, alerta a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, em meio à persistente tensão entre os Estados Unidos e a China que aponta para um começo de fragmentação.

No prefácio do ‘Relatório do Comércio Mundial 2023’’, lançado hoje em Genebra, Ngozi nota que a ordem econômica internacional pós-1945 foi construída com base na ideia de que a interdependência entre as nações, pelo aumento do comércio e dos laços econômicos, promoveria a paz e a prosperidade compartilhada.

Durante a maior parte dos últimos 75 anos, essa ideia guiou os formuladores de políticas e ajudou a estabelecer as bases para uma era sem precedentes de crescimento, padrões de vida mais elevados e redução da pobreza.

Mas “hoje essa visão está ameaçada, assim como o futuro de uma economia global aberta e previsível.” Nesse cenário incerto, ela defende a OMC, que ‘está longe de ser perfeita’. Considera que o argumento para fortalecer o sistema de comércio é muito mais forte do que o argumento para abandoná-lo.

As tensões comerciais entre os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo, mudaram seus padrões comerciais, constata a OMC. Apesar do comércio bilateral ter batido recorde no ano passado, os fluxos de mercadorias entre ambos cresceram muito menos lentamente do que no comércio com outros parceiros.

A constatação é de que o comércio internacional está gradualmente sendo reorientado de acordo com as linhas geopolíticas. Para ilustrar essa tendência, a OMC analisa blocos ‘hipotéticos’’ com base em índices de similaridade de política externa. O comércio entre esses blocos apresenta taxa de crescimento entre 4% e 6% menor em média do que as trocas dentro dos blocos desde o começo da guerra contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, indicando uma mudança em direção do friendshoring (encorajar empresas a voltar a produzir em casa ou em países amigos próximos).

A análise sobre Investimento Estrangeiro Direto (IED) também aponta para fragmentação. Os fluxos para economias emergentes e em desenvolvimento são substancialmente menores para parceiros mais distantes geopoliticamente.

Considerações de segurança são um fator cada vez mais influente na política comercial, e contraproducentes se levadas longe demais. A proliferação de tensões comerciais reforça o ceticismo em relação ao comércio internacional na formulação de políticas comerciais,causando retrocessos nos esforços de integração regional e a adoção de medidas unilaterais.

O relatório examina possíveis efeitos da fragmentação sobre a pobreza e a desigualdade e conclui que esse movimento representa um risco significativo para o progresso da economia mundial.

Simulações da OMC apontam impacto negativo considerável especialmente para economias em desenvolvimento e as mais pobres no pior cenário de rivalidade geopolítica total. Em vez de irem na direção de convergência em relação aos países ricos, aquelas economias sofreriam perdas e a diferença do PIB (Produto Interno Bruto) aumentaria em 3,5 pontos percentuais.

Uma fragmentação aumentará os custos nas trocas comerciais. Atualmente, esses custos nas economias em desenvolvimento são quase 30% mais altos do que nas economias desenvolvidas. Os custos comerciais na agricultura são 50% mais altos do que os da indústria. Os custos do comércio de serviços também permanecem elevados, embora com grande variação entre setores.

A evolução dos custos comerciais após 2018 esteve sujeita a crescentes atritos geopolíticos, bem como à pandemia da COVID-19, que provocou aumentos nos custos comerciais por meio da imposição de barreiras comerciais temporárias, custos mais altos de transporte e viagem e maior incerteza.

Apesar do cenário atual, a OMC insiste que o comércio internacional continua a prosperar de várias maneiras, e considera exagerado o discurso sobre desglobalização. Em vez disso, defende uma reglobalização, que é um impulso renovado para a integração de mais pessoas, economias e questões urgentes no comércio mundial.

Fonte:https://valor.globo.com/opiniao/assis-moreira/coluna/omc-futuro-de-uma-economia-global-aberta-esta-ameacado.ghtml