Sem registrar deflação anual desde 2021, país encerrou era da taxa de juros negativa, mas mercado ainda considera política monetária japonesa branda demais
O mercado japonês está em um momento atípico. Enquanto o principal índice de ações do Japão, o Nikkei 225, chegou a quebrar sua máxima histórica pela primeira vez desde o fim da década de 1980, o iene vem sendo negociado no menor patamar em 34 anos frente ao dólar. A alta da bolsa japonesa no ano está em 13,4%, enquanto a divisa americana subiu 10,8% em relação à iene.
A apreciação de um mercado acionário costuma ser acompanhada de valorização da moeda local frente ao dólar. Mas no Japão a dinâmica tem sido diferente. Grande parte desse movimento é explicado pela condução da política monetária pelo Bank of Japan (BoJ), banco central do Japão.
Diante de níveis de inflação historicamente altos, o BoJ pôs fim à era dos juros negativos, em março, ao subir sua taxa em 0,20 ponto percentual para 0,10%. Foi a primeira alta de juros 17 anos.
Apesar dos esforços, analistas do Bank of America avaliam que a postura do banco central japonês ainda é branda demais. O argumento do banco americano é de que o BoJ deveria ser mais duro em sua última decisão de juros, de abril, em que decidiu manter a taxa inalterada após o ajuste em março. “O BoJ deveria ter reconhecido que a política tem sido demasiado acomodatícia, de que a a próxima subida será em junho [mês da próxima reunião] e/ou que a taxa terminal será superior à precificada pelo mercado.”
As indicações do BoJ é de que a alta de juros será gradual, podendo encerrar o ciclo perto de 1%. A avaliação dos analistas é de que o banco central japonês não estaria preocupado em a desvalorização do iene afetar a inflação por meio de produtos importados. “O BoJ parece, portanto, preferir aumentos graduais no seu cenário de base”, diz o Bank of America.
Apesar de fatores internos estarem impactando o preço do iene, a moeda japonesa também tem enfrentado ventos contrários dos Estados Unidos, com dados de atividade e inflação levando investidores a precificarem que o Federal Reserve (Fed) fará menos cortes de juros, atualmente entre 5,25% e 5,5%. A expectativa, no início do ano, era de que o Fed fosse realizar até sete cortes de juros neste ano. Hoje, as expectativas variam de dois a nenhum corte neste ano.
Alfredo Menezes, um dos maiores especialistas em câmbio do mercado brasileiro, disse em entrevista recente estar apostando na desvalorização do iene frente ao dólar. “O iene tem uma grande correlação negativa com os rendimentos dos títulos de 10 anos dos Estados Unidos, além desta posição garantir um carrego positivo pelo diferencial de juros com os Estados Unidos.”
A desvalorização do iene ocorre mesmo diante da entrada de investidores na bolsa local. Dados do EPFR mostram que, na semana passada, os fundos de ações do Japão tiveram a maior entrada semanal de dinheiro desde 2013. De acordo com o levantamento, 22 fundos do Japão receberam mais de US$ 30 milhões, sendo que em 12 a cifra passou de US$ 100 milhões.
Bolsa na contramão do iene
“O entusiasmo com o Japão se espalhou para os gestores globais de fundos de ações ex-EUA, que aumentaram sua exposição ao Japão em quase 2% entre abril de 2023 e janeiro, antes de pisarem no freio”, aponta a EPFR.
Dois fatores principais tem contribuído com a alta, segundo analistas do Goldman Sachs: o desenvolvimento de governança das companhias japonesas e a inflação mais alta. O país conviveu com taxas negativas de inflação durante quase toda as últimas duas décadas, não sabe o que é registrar uma deflação anual desde agosto de 2021.
Com os retornos reais dos títulos japoneses em queda, dada a alta da inflação, a expectativa do banco é de que a população local aumente a alocação em bolsa. “Acreditamos que as famílias japonesas estão próximas de um ponto de virada importante na sua posição no mercado acionário, dado o contexto de inflação prolongada.”
Outro fator é a melhoria de governança, incentivada pela própria Bolsa de Tóquio, que pediu para que as empresas listadas apresentassem planos para gerar valor aos acionistas por meio de melhora de gestão. Levantamento da bolsa local mostra que apenas 31% das companhias de maior liquidez e 14% das de menor reportavam esse tipo de informação.
“A pressão contínua da Bolsa de Tóquio para que as empresas respondam aos seus pedidos irá acelerar as atividades relacionadas à governança corporativa nas empresas japonesas listadas.”
Um dos problemas que, segundo os analistas do Goldman Sachs, já vem melhorando quanto à governança são as participações cruzadas, em que uma empresa detém a participação de outra. A estratégia é considerada comum em holdings, além de ser uma barreira contra aquisições hostis. No entanto, vinha recebendo críticas quanto à falta de transparência. As participações cruzadas, aponta o banco americano, já estão em queda no Japão. “
“Os investidores veem os anúncios das empresas sobre a eliminação das participações cruzadas como uma indicação importante da melhoria da governança corporativa e, como os preços das ações muitas vezes reagem fortemente como resultado, acreditamos que este tema merece atenção contínua em 2024.”