Lula deveria ouvir mais seus ministros do que os políticos do núcleo duro do PT

Decididamente, a herança fiscal deixada pelo governo anterior para seu sucessor não é boa, ao contrário do que sustentam alguns analistas. Como mostrei em artigos anteriores, um exercício simples, que consiste em anualizar os aumentos de gastos e renúncias de receitas adotadas ao longo do ano passado por Jair Bolsonaro, com objetivos eleitorais, transforma em déficit o resultado primário positivo de 2022. O ônus político de inverter essa situação ficou para o novo governo, o que não é uma tarefa politicamente fácil para um governo de centro-esquerda.

Mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem surpreendido os mais pessimistas com suas declarações sensatas. Comprometeu-se em reduzir expressivamente (ou até mesmo a inverter o sinal) o inadmissível déficit de R$ 231 bilhões previsto na Lei Orçamentária para 2023. Haddad tem dado bastante importância ao novo arcabouço de regras fiscais, cuja proposta pretende enviar ao Congresso em abril.

Também são animadores os pronunciamentos de Simone Tebet, que está montando um time de elevada capacidade técnica na sua pasta. O destaque é sua intenção de criar um sistema de revisão de despesas (Spending Reviews), integrado ao Plano Plurianual (PPA). O maior problema da política fiscal brasileira, com efeitos deletérios sobre o crescimento econômico, é não dispor de processo institucionalizado de revisão dos custos e benefícios das políticas públicas, inclusive das desonerações tributárias.

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Apesar das enormes dificuldades para agradar a várias correntes políticas, a maioria dos ministros do presidente Lula da Silva é de políticos experientes, sensatos e conhecedores dos temas de suas pastas. Até agora, as declarações mais preocupantes vieram dos Ministérios das Minas e Energia, da Previdência Social e do Trabalho.

Impressiona, apesar de não ser novidade, a visão maniqueísta de Lula sobre as relações sociais
Impressiona, apesar de não ser novidade, a visão maniqueísta de Lula sobre as relações sociais Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que vem deteriorando as expectativas e prejudicando a economia são os pronunciamentos do presidente. Impressiona, apesar de não ser novidade, a visão maniqueísta de Lula sobre as relações sociais, com eternos confrontos entre ricos e pobres, empresários e trabalhadores, o mercado financeiro e o povo, e assim vai. Chamar a autonomia do Banco Central de bobagem, e, indiretamente, criticar o presidente da instituição, levanta dúvidas sobre a política monetária após a saída de Roberto Campos, o que eleva os juros mais longos e o custo da dívida pública.

O presidente até tocou em assuntos que podem e devem ser discutidos tecnicamente, como a revisão das metas de inflação, a redução da regressividade do sistema tributário brasileiro e o fortalecimento das políticas sociais. Mas são questões muito técnicas e não devem ser tratadas da maneira passional como o presidente o faz. Antes de se pronunciar sobre economia, Lula deveria ouvir mais seus bons ministros da área econômica do que os políticos do núcleo duro do PT.

Fonte: Estadão