Integrantes da equipe econômica já indicaram que podem enviar projetos para coibir supersalários no funcionalismo e mudar regras de previdência de militares, além de rever bases de dados de benefícios sociais. Mercado pede reformas mais profundas.
Após pressão do mercado financeiro e do setor produtivo, com fortes críticas ao aumento de tributos dos últimos meses, a equipe econômica começa a se debruçar com mais atenção sobre a redução de despesas e avalia quais gastos podem ser cortados.
Segundo informou na semana passada a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, a ideia é dar um cardápio de possibilidades de redução de gastos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até agosto deste ano, quando será apresentada a proposta de orçamento de 2025.
Veja abaixo quais gastos são esses e, mais adiante, nesta reportagem, a proposta dos economistas envolvendo cada um deles.
- Gastos com servidores
- Gastos previdenciários
- Reforma de gastos sociais
- Abono salarial
- Desvinculação de gastos
Contudo, o corte de despesas difere da agenda de curto prazo, que busca encontrar fontes de recursos para manter a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e dos municípios.
A ideia do governo é que essas propostas de aumento de arrecadação sejam enviadas nas próximas semanas.
Já o trabalho de redução de gastos tem foco no médio e longo prazos, com o objetivo de manter de pé o chamado “arcabouço fiscal”, a regra para as contas públicas aprovada em 2023.
A manutenção do arcabouço é considerada vital pelo mercado financeiro para manter a previsibilidade das contas públicas.
“Temos que tomar medidas hoje que garantam que esse cenário [de colapso do arcabouço fiscal] não aconteça. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica. Então, tem coisas que dá pra ir fazendo e garantindo. É preciso tomar medidas adequadas. O país precisa tomar decisões, ou vamos colocar tudo em colapso lá na frente”, declarou o secretário do Tesouro Nacional, Rogerio Ceron, ao g1 e à TV Globo em abril deste ano.
Sem redução de despesas — que passa pelo envio de propostas para corte de gastos obrigatórios ao Congresso Nacional — o espaço para gastos livres dos ministérios (como aqueles relacionados com a manutenção de serviços básicos), vai terminar antes de 2030, e será necessário rever o arcabouço fiscal.
Por conter um limite para o crescimento dos gastos do governo, que não pode ser maior do que 70% do aumento da receita ou do que 2,5% (em termos reais, acima da inflação), a regra para as contas públicas gera previsibilidade para o resultado das contas públicas e, consequentemente, para o nível da dívida brasileira no futuro.
Sem o arcabouço, fica mais difícil fazer projeções para as contas públicas no médio e longo prazos (período acima de cinco anos), e essa falta de previsibilidade, no mercado financeiro, costuma ser repassada aos preços dos ativos (dólar e juros futuros, que servem de base para o valor cobrado dos clientes bancários).
O Banco Central avaliou, em maio, que o “esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal”, junto com outros fatores, tem o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia — aquela que mantém a inflação sob controle sem afetar o crescimento da economia.
Recomendações de analistas
A lista de gastos obrigatórios que podem ser cortados, segundo análise feita por economistas do mercado financeiro no último ano, é grande e contempla reformas profundas nas regras para gastos públicos. Veja abaixo:
1) Gastos com servidores, por meio de uma reforma administrativa
Os gastos com servidores do governo federal estão estimados em R$ 380 bilhões em 2024, ou 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É a segunda maior despesa primária do governo, perdendo apenas para a Previdência Social (R$ 913 bilhões, ou 8% do PIB).
Estudo divulgado em 2020 mostra que o Brasil gastou 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB), no ano anterior, cerca de R$ 930 bilhões, com servidores públicos federais, estaduais a municipais. O Brasil era, naquele momento, o 7º país que mais gastava com servidores.
Análise do Banco Mundial, divulgada em 2019, apontou que os servidores federais ganhavam quase o dobro de trabalhador do setor privado. O levantamento foi feito com base em dados de 2017. Os reajustes de servidores foram contidos na gestão Bolsonaro. No início do governo Lula, foram retomados.
Em 2020, a equipe econômica chefiada por Paulo Guedes propôs uma reforma administrativa, com mudanças em leis, somente para futuros servidores, propondo o fim do regime jurídico único da União, com possibilidade de outras formas de vínculo, e o término dos chamados “penduricalhos”. A estimativa, naquele momento, era de uma economia de R$ 300 bilhões de gastos em dez anos.
2) Gastos previdenciários, por meio de uma nova reforma da Previdência
Números divulgados no ano passado pelo governo federal mostram que o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sistema público que atende aos trabalhadores do setor privado, deve mais que dobrar até 2060 e quadruplicar até 2100.
A lógica é que, com o aumento da proporção de idosos no país no futuro, também cresçam as despesas com o pagamento de benefícios previdenciários — que não podem ser menores do que um salário mínimo.
Segundo avaliou naquele momento o economista Paulo Tafner, as projeções para o rombo previdenciário mostram que será necessária uma nova reforma da Previdência Social nos próximos anos. A última reforma foi feita em 2019.
Para ser levada adiante, essa reforma alteraria o formato de pagamento de benefícios previdenciários, que são gastos obrigatórios. Por isso, seria necessária uma nova mudança legal.
3) Reforma de gastos sociais
Estudo do economista Gabriel Leal de Barros, da ARX Investimentos, apontou em estudos a necessidade de promover uma fusão de políticas sociais diante da execução fracionada de diversos programas como o Auxílio Brasil, Auxílio Gás, Auxílio reclusão, Farmácia Popular, salário maternidade, salário família, seguro defeso, BPC, dentre outros.
Segundo cálculos de Barros, a integração e redesenho dos programas sociais podem entregar economia fiscal de quase R$ 200 bilhões em dez anos.
Estudo divulgado em 2023 deste ano pelo Banco Mundial também sugere “consolidar” os programas em uma única transferência social escalonada, que poderia “apoiar os pobres crônicos e os afetados por choques transitórios de forma mais generosa e sustentável”.
4) Abono salarial
Outra política criticada por especialistas é o abono salarial, um benefício que assegura o valor de até um salário mínimo anual aos trabalhadores que receberam em média até dois salários mínimos de remuneração mensal durante pelo menos 30 dias no ano, e que estejam cadastrados no PIS ou no Pasep há pelo menos cinco anos
Estudo promovido pela equipe econômica de Paulo Guedes, que comandava a Economia na gestão Bolsonaro, conclui que, do ponto de vista distributivo, a maior parte do benefício tende a se concentrar nas camadas de renda média da população.
“Consequentemente, o Abono tem pouco efeito sobre o nível geral de desigualdade e pobreza da economia, embora contribua para uma redução da desigualdade dentro do grupo de trabalhadores formais”, diz o estudo.
De acordo com análise feita pelo economista Fabio Giambiagi, o abono salarial não combate o desemprego, pois quem recebe o abono está empregado, e também não combate a miséria, porque quem recebe o abono não está entre os 20% mais pobres do país. “Ele ajuda a reduzir a informalidade? Não, porque quem recebe o benefício já está no mercado formal”, conclui, em artigo de 2022.
5) Desvinculação de gastos
Em artigo publicado em abril deste ano, citado pelo ministro Fernando Haddad, o economista da FGV-Ibre, Bráulio Borges, avaliou que um elemento crucial para conter sua expansão do déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) seria a desvinculação do piso previdenciário (e mesmo de outros benefícios assistenciais, como o BPC) do salário-mínimo nacional.
Se essa medida fosse adotada, os benefícios previdenciários teriam a correção somente da inflação do ano anterior. Atualmente, eles são corrigidos pela inflação do último ano, e pelo crescimento da economia de dois anos antes, ou seja, têm ganho real (acima da inflação) sempre que o PIB cresce.
“O salário-mínimo é uma variável que deve sim ser reajustada ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mão de obra, mas é uma variável que deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem está participando ativamente da produção econômica”, argumentou Borges.
O economista também analisou que mínimos constitucionais de Saúde e Educação poderiam deixar de estarem atrelados às receitas, passando a ter uma vinculação a pisos reais de gasto per capita. Deste modo, os gastos em saúde e educação cresceriam menos do que a atual fórmula, levando à uma perda de recursos em relação ao modelo em vigor.
Posição do governo
Diante da pressão do mercado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na semana passada que a equipe econômica vai intensificar a agenda de trabalho em relação aos gastos públicos, e que deve focar, nas próximas semanas, em fazer uma revisão “ampla, geral e irrestrita” das despesas.
Em viagem à Itália, o presidente Lula afirmou que não fará ajuste de contas “em cima dos pobres”. Ele fez o comentário em meio à pressão para que o governo modifique regras que tratam dos investimentos mínimos em saúde e educação — que poderia gerar perda de recursos para essas áreas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já afirmaram que o governo quer regulamentar do teto do funcionalismo para coibir “supersalários” dos servidores públicos.
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que regulamenta os chamados “supersalários” – que extrapolam o teto do funcionalismo – no serviço público. O valor máximo hoje é de R$ 44.008,52 mensais. O texto retornou ao Senado, onde aguarda definição.
A proposta em discussão no Congresso define quais pagamentos poderão extrapolar o teto do funcionalismo. Entre eles, os auxílios para moradia, alimentação e transporte.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que algumas gratificações de natureza remuneratória devem entrar no chamado “abate-teto”.
Ficam de fora, ou seja, não são descontados, os chamados jetons (verba dos ministros por participação em conselhos de administração em estatais) ou as verbas de caráter indenizatório (como reembolsos).
▶️ Desvinculação benefícios assistenciais
Durante audiência pública no Congresso Nacional na semana passada, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que a área econômica está avaliando desvincular benefícios concedidos pelo governo federal da política de valorização do salário mínimo.
Se implementada a proposta, alguns benefícios assistenciais, como seguro-desemprego, abono salarial e Benefício de Prestação Continuada (BPC), não teriam a mesma correção do salário mínimo (inflação mais o crescimento do PIB). Com isso, haveria uma redução de despesas.
“[Estamos olhando] como está o BPC, como está o abano salarial, como está o seguro-desemprego, como é que estão essas políticas públicas para mobilizar, para aperfeiçoar. Então, essa é uma discussão que está sendo feita internamente. Não há nenhuma decisão política. Meu papel é apresentar números”, afirmou a ministra, naquele momento.
▶️Reforma de Previdência de militares
Outra ideia discutida pela área econômica, também segundo a ministra Simone Tebet, em entrevista ao jornal “O Globo”, seria uma reforma da Previdência dos militares.
Segundo dados citados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o sistema de proteção social dos militares registrou um déficit de R$ 49 bilhões no ano passado.
“Eu vou colocar tudo na mesa. Eu tenho coragem para colocar tudo. Até porque o próprio Tribunal de Contas da União fez um alerta em relação à previdência dos militares. O meu otimismo é porque tem um leque de possibilidades”, disse Tebet, ao “Globo”.
Ao g1, o presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, afirmou que mudanças para melhorar o déficit dos militares são necessárias, principalmente para não sobrecarregar o regime geral (que atende ao setor privado), que dá menos prejuízo por beneficiário.
“No entanto, tudo deve ser feito com base em estudos técnicos e com muita tranquilidade, entendendo o especial papel das Forças Armadas”, acrescentou ele.
▶️Revisão de cadastros
Nesta semana, o ministro Fernando Haddad afirmou que a revisão de cadastros, ou seja, de bancos de dados de benefícios previdenciários e assistenciais, pode abrir espaço no orçamento para outras despesas. A lógica é excluir as pessoas que não têm direito aos benefícios.
- No ano passado, o governo iniciou um processo de revisão do cadastro do Bolsa Família. Na ocasião, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que isso pode gerar uma redução de despesas de até R$ 7 bilhões por ano.
- Ao mesmo tempo, o governo também trabalha em uma força tarefa, neste ano, para excluir do cadastro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pessoas que estejam recebendo indevidamente os benefícios. A estimativa que consta no orçamento deste ano é de uma economia de R$ 9 bilhões com esse processo.
Questionado se o governo pretende fazer uma revisão da base de dados do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o ministro da Fazenda disse apenas que a Casa Civil e o Ministério do Planejamento prepararam “vários gráficos” para o presidente Lula compreender melhor a evolução das despesas.
▶️Seguro-defeso
Na proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, o governo informou que o seguro-defeso será alvo do processo de revisão de gastos.
Esse é um programa de seguro-desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal.
A projeção do governo é que o benefício seja pago a 928,44 mil trabalhadores em 2025, com pagamento estimado de R$ 4,51 bilhões no próximo ano.
“É necessária a avaliação sobre as condições de funcionamento e possibilidades de aprimoramento do programa”, diz o governo, no projeto da LDO.