Fluxo cambial no 1º tri é o mais forte desde 2012 e é impulsionado pela entrada de recursos de exportações

Forte entrada de dólares dá sustentação para o real
Tatsumi: Investidores locais e estrangeiros reduziram apostas contra o real, enquanto o dólar está mais fraco globalmente — Foto: Silvia Zamboni/Valor

O movimento de apreciação do real, no momento em que o dólar ronda o nível de R$ 5, vem na esteira de uma entrada expressiva de dólares no primeiro trimestre deste ano. Entre janeiro e março, o fluxo cambial registrou saldo positivo de US$ 12,524 bilhões, o maior para o período desde 2012, ao ser sustentado, em especial, pelo segmento comercial.

Dados do Banco Central apontam que, nesse período, houve entrada de US$ 12,512 bilhões pela conta comercial. Enquanto isso, o fluxo financeiro ficou praticamente inalterado nos primeiros três meses do ano, ao anotar entrada de US$ 12,1 milhões.

Notícias, dicas e análises exclusivas de especialistas. O que você precisa saber para tomar as melhores decisões nos seus investimentos.

O movimento foi impulsionado pelo resultado da balança comercial brasileira, que registrou superávit recorde de US$ 16,1 bilhões do início do ano até o fim de março. Os números mostram que o exportador trouxe ao país boa parte dos dólares que faturou lá fora.

Além da questão comercial, também contribuiu para o fluxo, mais recentemente, o aumento de apostas favoráveis ao real no mercado futuro. Na semana passada, o dólar chegou a cair a R$ 5,04.

O viés positivo para o câmbio tende a continuar no curto prazo, na visão de participantes do mercado, mas a dissipação das incertezas fiscais ainda é um fator necessário para uma apreciação sustentável da moeda.

Ao analisar as tendências de curto prazo, pela média móvel de três meses anualizada e dessazonalizada, o economista Jankiel Santos, do Santander, avalia que o cenário indica um viés de alta para o fluxo comercial e para uma estagnação na conta financeira.

“A nosso ver, pode significar que a perspectiva de juros ainda altos no Brasil está atraindo exportadores para o mercado doméstico de renda fixa, o que teria reduzido a diferença entre a balança comercial embarcada e suas liquidações financeiras em relação às anteriores. No entanto, observamos uma ampliação do ‘gap’ [diferença] de US$ 32,9 bilhões em fevereiro para US$ 35,7 bilhões em março”, afirma. Nesse sentido, o economista do Santander diz acreditar que, embora os exportadores estejam repatriando mais dinheiro do que faziam recentemente, ainda mantêm “um pé em solo estrangeiro”.

Quer investir no exterior? Veja 9 mitos e verdades dos investimentos offshore

Nos cálculos da economista Iana Ferrão, do BTG Pactual, caso a diferença entre o fluxo comercial e o saldo comercial embarcado permaneça até o fim do ano, o banco projeta “entrada de cerca de US$ 30 bilhões de abril a dezembro”. Para ela, o fluxo comercial tende a continuar robusto ao longo do ano por causa do superávit comercial embarcado elevado.

Em revisão de cenário, o BTG Pactual manteve a projeção para a taxa de câmbio no fim do ano em R$ 5,30 por dólar, mas indicou possibilidade de uma valorização do real. “Com um fluxo comercial para o Brasil favorável, a implementação de um arcabouço fiscal aprimorado e medidas críveis de aumento de receita, que apontam para a responsabilidade fiscal, em conjunto com o avanço de reformas estruturais importantes, como a reforma tributária do consumo (IVA), tenderiam a levar a um câmbio mais apreciado este ano”, diz Ferrão.

A economista Julia Passabom, do Itaú Unibanco, também vê um caminho positivo para o fluxo cambial à frente. “Nos próximos meses, esperamos que o desempenho siga positivo e acima dos anos recentes, impulsionado, principalmente, pelo fluxo relacionado à safra de soja”, afirma.

Quais os riscos de investir no Brasil agora versus aplicar no exterior diante da turbulência global?

Passabom observa, ainda, que 2023 caminha na direção de ser um ano de safra recorde, após a quebra do ano passado, e segue com menos contratos de câmbio já fechados. Esse fator, na visão da economista do Itaú, “indica maior entrada de dólares pelo [segmento] comercial adiante”. Em relatório enviado a clientes, ela nota que a comercialização média da safra 2022/2023 está próxima de 46% no momento, ante quase 100% já fechados para a safra 2021/22 no mesmo período do ano passado.

O desempenho recente do real tem surpreendido, na medida em que a moeda tem mostrado valorização mais forte que os pares em relação ao dólar. Além do forte desempenho do câmbio contratado, houve, mais recentemente, movimentos relevantes em posições em instrumentos cambiais (dólar futuro, dólar mini e cupom cambial) na B3 , que ajudaram a dar apoio extra à divisa brasileira nos últimos dias. Somente neste mês de abril, até o dia 6, investidores estrangeiros se desfizeram de US$ 2,87 bilhões em posições compradas em dólar, enquanto fundos locais ampliaram posições vendidas em dólar em US$ 1,43 bilhão.

Tanto os investidores locais e estrangeiros diminuíram bastante as aposta contra o real, “se é que já não estão apostando a favor ou aumentando a aposta”, aponta Daniel Tatsumi, gestor de moedas da Ace Capital, para quem os dados da B3 precisam ser vistos com alguma cautela. Ele mantém em seu portfólio posições vendidas em dólar contra o real, ou seja, espera uma apreciação da moeda brasileira.

Comprar ações no exterior vale a pena?

Embora o movimento de redução na posição comprada em dólar futuro tenha coincidido, em especial, com a apresentação da proposta do governo de arcabouço fiscal, Tatsumi acredita que esse não foi o único fator a gerar a mudança de orientação mais favorável ao real. “Temos um dólar mais fraco globalmente, que pode ser percebido também na valorização de outros pares, como o peso mexicano e peso colombiano. Além disso, os termos de troca estão melhores, e isso já pudemos ver no fluxo comercial”, destaca. O gestor aponta, ainda, que a manutenção do tom mais duro do BC alimenta um viés mais favorável à moeda local.

Os estrategistas do Goldman Sachs observam que o real deixou de ser o “retardatário” e passou a ser o “líder” no desempenho das moedas em relação ao dólar na semana passada, e dão destaque especial à apresentação do novo marco fiscal pelo governo. “Mesmo que possa continuar a haver algum ruído enquanto a regra é discutida, o fato de que provavelmente haverá alguma restrição contra o desequilíbrio fiscal consistente relaxou o que era uma restrição importante para os ativos locais no Brasil, em nossa opinião.”

Para eles, o real permanece bem posicionado em relação a alguns desenvolvimentos globais, podendo se beneficiar da reabertura da economia da China e do aumento recente dos preços do petróleo. “Além disso, em nossos exercícios, o real ainda incorpora algum prêmio de risco relevante e, portanto, tem espaço para apreciação.”

Tem salário no Brasil e quer morar fora? Veja alternativas para sacar dinheiro no exterior

O Goldman Sachs, assim, manteve inalterada a projeção para o dólar em R$ 4,90 em um horizonte de três meses, enquanto espera, ainda, que a moeda americana fique em R$ 4,85 em seis meses e em R$ 4,80 em 12 meses.

Apesar do tom mais otimista, Santos, do Santander, afirma que a tendência de estagnação no fluxo financeiro pode indicar “uma postura mais cautelosa por parte dos estrangeiros em função das incertezas que persistem sobre as diretrizes da política econômica do país”. Em relatório enviado a clientes, ele diz que as incertezas quanto à coordenação das políticas fiscal e monetária continuaram a pesar sobre os fluxos cambiais, “o que nos leva a continuar esperando uma desvalorização do real ao longo do ano”. O Santander espera que o dólar encerre o ano em R$ 5,40.

Fonte:https://inteligenciafinanceira.com.br/saiba/economia/forte-entrada-de-dolares-da-sustentacao-para-o-real/