Piora no cenário internacional e incerteza local afastam estrangeiro

B3, a Bolsa de Valores de São Paulo
B3, a Bolsa de Valores de São Paulo (Foto: Patricia Monteiro/Bloomberg/Reprodução O Globo)

A aversão ao risco global e os ruídos domésticos reverteram o fluxo de capital estrangeiro na B3  nos últimos meses. Em 2022 e em janeiro deste ano, os investidores não residentes foram o principal motor da performance positiva da bolsa brasileira. Em fevereiro, contudo, o saldo do grupo ficou negativo pela primeira vez desde setembro e, em março, o volume de saídas tem sido ainda mais intenso.

Conforme os dados mais recentes divulgados pela B3, neste mês, até o dia 24, os estrangeiros sacaram R$ 3,51 bilhões no segmento secundário da bolsa. O resultado é mais que o dobro da retirada de fevereiro (R$ 1,68 bilhão).

Quais os riscos de investir no Brasil agora versus aplicar no exterior diante da turbulência global?

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Para efeito comparativo, em março do ano passado o fluxo de capital estrangeiro ficou positivo em R$ 21,36 bilhões e o saldo no acumulado do primeiro trimestre de 2022 foi entrada de R$ 65,33 bilhões. Já no acumulado deste ano, o saldo também é positivo, mas em volume muito menor, de R$ 7,36 bilhões, isso em razão do alto volume de aportes visto em janeiro.

O principal responsável pelo fluxo negativo é o cenário externo. “O setor de tecnologia no exterior performou bem este ano e commodities e companhias de valor tiveram um desempenho ruim. Pesou o contexto macro global”, afirma Gustavo Medeiros, chefe de pesquisa para mercados emergentes da Ashmore. Ele destaca que o índice americano Nasdaq, formado principalmente por empresas do setor tecnológico, tem alta de 11,94% em 2023, enquanto o Ibovespa recua 7,79% no mesmo período. Para Medeiros, houve um movimento de rotação de portfólios. “Muitas pessoas tiveram que ‘stopar’, sair das posições que funcionavam desde janeiro de 2022”, diz.

Um movimento de aversão a risco global, que acontece desde o início do ano, em meio às altas de juros do Federal Reserve (Fed) e de outros bancos centrais, se intensificou nas últimas semanas, com a turbulência financeira internacional – as quebras do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, nos EUA, além dos problemas na Europa que culminaram com venda do Credit Suisse.

Em relatório enviado a clientes, a estrategista de ações para Brasil e América Latina do J.P. Morgan, Emy Shayo Cherman, nota que os fluxos para mercados emergentes como um todo estão negativos há duas semanas, “desde que preocupações com o crédito começaram a aparecer nos Estados Unidos”.

“Foram duas semanas bem intensas para o mercado europeu e os bancos centrais não param de subir juros, porque a inflação continua alta”, diz Daniela da Costa-Bulthuis, gestora para mercados emergentes da holandesa Robeco. “Na Europa, ela segue desancorada e muito forte. Nos Estados Unidos, a pressão inflacionária também não cessou. Esse foi o recado do Fed, que deu alta menos intensa, mas não indicou pausa nas elevações [de juros].”

Aos fatores externos se somam, ainda, questões internas, que pioram o desempenho da bolsa brasileira frente a outros índices de países emergentes. O nível elevado dos juros no Brasil; os atritos entre o governo e o Banco Central; e a incerteza em torno do novo arcabouço fiscal compõem um ambiente adverso para a bolsa.

Em atualização de cenário sobre sua visão de investimentos, a gestora francesa Amundi diz manter uma perspectiva “cautelosamente otimista” com a reabertura da economia chinesa e com “valuations” razoavelmente atraentes nos mercados emergentes, mas ressalta que é necessária uma postura seletiva e concentrada em fundamentos no momento. Em relação aos mercados acionários de emergentes, os profissionais da Amundi apontam que suas principais convicções são a China e o Brasil, “mas estamos menos otimistas do que antes [com o mercado brasileiro] devido à volatilidade  política”.

Medeiros, da Ashmore, diz que há grande expectativa no mercado para o ajuste fiscal e aponta que, embora tenda a haver “barulho” forte após a divulgação das novas regras, ele acredita que o Congresso será a força estabilizadora. “A intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira, e dos congressistas é de aprovar reformas que permitam governabilidade ou estabilidade. Essa tem sido a postura. Tomara que não mude.”

Costa-Bulthuis, da Robeco, acredita que a nova regra fiscal talvez seja a prioridade do país no momento, mas nota que há dificuldade em apresentá-la. “O governo não consegue o novo arcabouço. Isso não está sendo tratado, talvez, com a urgência que deveria.”

O cenário externo afeta todos os emergentes, mas as incertezas domésticas prejudicam o desempenho da bolsa brasileira em relação aos pares emergentes. Desde o início de fevereiro, o EWZ, principal fundo de índice (ETF ) de ações brasileiras em Nova York, acumula queda de 11,0%, ante queda de 6,9% do EEM, o principal ETF de ações de mercados emergentes.

Para Costa-Bulthuis, mesmo com as incertezas, o cenário ainda é construtivo para as ações brasileiras. “Por conta do preço dos ativos e porque nós somos investidores de longo prazo”, diz. “Mas, realmente, estamos olhando para ativos mais defensivos no momento, porque não é um cenário para se arriscar muito. Os ativos defensivos estão num nível atrativo no Brasil.”

A Ashmore também tem visão construtiva, porém de forma seletiva e com intensidade menor do que no passado recente. “Tendemos a achar que o mercado está mais ‘sobrevendido’ em Brasil”, afirma Gustavo Medeiros. “Onde isso fica mais claro é nos juros. E tentamos replicar com empresas que se beneficiam de juros mais baixos. Achamos que o BC vai cortar juros por questões fundamentais”, opina. Ele destaca o setor de varejo e o de ações ligadas a commodities, que “podem ser atrativas, porque ainda operam com valorização barata a nível global.

O Goldman Sachs tem avaliação semelhante, ao notar que as ações brasileiras parecem baratas em relação a outros emergentes, conforme o chefe da área de mercados emergentes e investimentos globais do banco, Caesar Maasry. Em relatório, ele nota que os papéis de consumo são os mais atrativos no momento. “As ações de consumo discricionário tiveram desempenho pior do que as de energia desde a eleição presidencial no ano passado, e são negociadas ao nível mais baixo em anos”, afirma.

Entre os gatilhos que poderiam proporcionar uma recuperação da bolsa brasileira, os agentes citam a aceleração do processo de reabertura da economia chinesa, que pode fortalecer o fluxo estrangeiro para países emergentes como um todo. “Não vemos essa reabertura hoje, mas deve ficar para o segundo semestre”, diz Costa-Bulthuis. “Tínhamos um cenário um pouco mais construtivo, mas a reabertura está sendo muito devagar do ponto de vista que gera demanda global.”

Já Medeiros vê a China como a âncora do crescimento global em 2023 e 2024. “Isso deve atrair capital para os mercados emergentes frente aos desenvolvidos”, diz o executivo. Cabe apontar ainda que, na visão da Ashmore, os mercados emergentes devem superar, em geral, os desenvolvidos neste ano. Os movimentos, porém, tendem a exibir volatilidade elevada à frente, na visão de Medeiros.

Fonte:https://inteligenciafinanceira.com.br/saiba/mercados/cresce-a-saida-de-capital-externo-da-bolsa/